Mais uma vez a imprensa, dessa vez em artigo assinado no Globo pelo jornalista George Vidor, resolve ir contra um dos preceitos básicos do Jornalismo com J maiúsculo de “ouvir os dois lados” (ou até mais, se for o caso) e decide dar espaço apenas para a Abeam, através de seu presidente Ronaldo Lima, que:
“(...) prevê, apenas para seu segmento, uma falta de 288 oficiais no ano que vem. Esse ´déficit` será crescente até 2014 – a projeção chega a 1.339 oficiais (...)”.
A mesma ladainha, a mesma novela, o mesmo blábláblá de sempre.
Sei que posso cansar todas vocês que visitam o nosso Blog, mas, mesmo assim faço questão que tomem conhecimento do que está escrito no artigo. Prefiro que vocês leiam aqui no Blog das Mulheres Mercantes do que no próprio jornal onde foi publicado ou nos sites que reproduziram a matéria.
É aquela conversinha para boi dormir. Vamos a ela. Escreve o jornalista:
“Curiosamente, existe um fato que agrava o problema: a evasão de profissionais (da ordem de 28%). Esse evasão ocorre, entre outras razões, porque muitas oficiais mulheres desistem ou se licenciam da profissão quando casam ou têm filhos.
É realmente uma situação curiosa, pois as mulheres já correspondem a 45% do total de alunos nas escolas de formação de oficiais de marinha mercante. Elas geralmente tiram notas melhores que os homens e esse desempenho se repete quando estão embarcadas — o cuidado com a limpeza nos navios com tripulantes mulheres muda radicalmente, por exemplo”.
O jornalista reconhece a capacidade de nós, mulheres. Escorrega, no entanto, ao comentar que esse “desempenho” se reflete apenas no quanto as embarcações ficam limpinhas quando existem mulheres a bordo. Faça-me um favor. Uma mulher acaba de tomar posse na presidência da República. Será que o jornalista acha que até mesmo nos navios, lugar de mulher é na cozinha ou na limpeza? E ainda tem o tal do ´no entanto`:
“No entanto, é difícil conciliar gravidez e atividade de marítimo. Esses profissionais costumam ficar embarcados por 28 dias (folgando nos 28 dias seguintes). Na maioria das profissões, as grávidas conseguem trabalhar até as vésperas do parto, mas, no caso das oficiais de marinha mercante, já no primeiro mês isso pode ser um risco, que nenhum comandante aceita correr. Mas a legislação não reconhece essa situação e surge então um conflito. Em terra, as oficiais perdem as gratificações e os adicionais por periculosidade. Passam a ganhar a menos e o ambiente funcional se deteriora.
Depois que os filhos nascem, muitas oficiais desistem da profissão ou se licenciam por longo tempo porque não têm como se afastar de seus bebês por semanas seguidas. Mesmo sem filhos, as oficiais casadas sofrem pressão de seus maridos para deixarem a profissão (situação semelhante ocorre com as mulheres que trabalham em plataformas de petróleo).
Assim, embora faltem marítimos no mercado, oficiais mulheres têm mais dificuldades para serem contratadas pelos armadores”.
Como ouviu apenas um lado para fundamentar seu artigo, George Vidor encerra com a versão, que ele deve considerar definitiva, da Abeam:
“A proposta da Abeam é que temporariamente as empresas possam contratar marítimos estrangeiros para preencher as vagas existentes. Os sindicalistas admitem essa possibilidade, mas apenas no caso de novas embarcações e não para as que já estão navegando”.
Mais uma vez, nós, os sindicalistas, é que somos os “bandidos” na luta travada entre “mocinhos” e “bandidos”.
O trecho “Os sindicalistas admitem essa possibilidade, MAS APENAS no caso de novas embarcações E NÃO para as que já estão navegando”.
Sindicalistas dizem “Não”. A Abeam propõe.
George Vidor ignorou o já badaladíssimo estudo da UERJ, publicado ano passado no jornal “Valor”, que, com certeza, o jornalista lê diariamente, que constatou que “em um período de cinco anos, de 2009 a 2013, haverá um excesso de oficiais na Marinha Mercante.
Deve ser porque o estudo foi solicitado pelo Sindmar. Imagino!
Dessa vez sou eu que não quero cansar vocês com o meu blábláblá, mas é bom lembrar que o trabalho intitula-se "Projeções e cenários para o mercado de oficiais de marinha mercante até 2013". A principal conclusão é que "nada indica que haverá falta de mão de obra no setor" nos próximos anos.
O estudo, elaborado pelos professores Narcisa Maria dos Santos e Marcelo Rubens do Amaral, do Instituto de Matemática e Estatística da Uerj vai mais longe ainda e indica que haverá sobra crescente de profissionais.
George Vidor, que dizem ter sido um bom repórter de Economia, antes de se tornar colunista e comentarista de TV já há alguns anos, esqueceu também de ouvir o presidente do Sindmar, Severino Almeida. Se não teve tempo, pois estava com pressa para fechar a coluna, deveria ter, ao menos, pesquisado no Google.
Teria lido que, segundo Severino:
"Nosso objetivo foi o de contribuir com os órgãos públicos, responsáveis pela formulação de políticas e programas que tenham como finalidade o desenvolvimento e a sustentabilidade do setor de transporte marítimo nacional. Entendemos que, ao apoiar estudos desta natureza, estamos cumprindo o seu papel institucional".
O presidente do Sindmar, à época, disse também que “a própria condição de trabalho dos oficiais de Marinha Mercante ESTIMULA CARREIRAS LONGAS (grifo meu). Quanto mais tempo se fica na atividade, mais fixação se tem por ela, por causa do padrão de vida no mar. A evasão (nos próximos anos) tende a ser reduzida também pelo retorno de muitos oficiais”.
Nem uma linha também sobre a consolidação do grupo de trabalho criado pelo governo para debater a questão da mulher grávida e cujo início das atividades foi publicado aqui mesmo neste Blog que está há poucos meses no ar. Reproduzimos novamente o ofício abaixo.
Para ler é só clicar na imagem
Escrevi no post publicado aqui no Blog que “A demora foi justificada pela troca de governo”. Reconheci que isso é normal. E ainda escrevi:
“Entendo que o processo de transição tem que ser feito com cautela para que possamos saber quem poderá representar o estado neste grupo. Porém, esse adiamento pode se estender mais do que eu ou vocês imaginam. A indicação dessa pessoa para dar continuidade ao processo para criação de um projeto de lei pode ser bem demorada.
Mas quero deixar bem claro a todas mulheres mercantes que tanto eu como o SINDMAR não vamos esquecer disso. Um segredinho para vocês: isso é minha meta pessoal. Não abrirei mão de tal feito. Quero, quero e quero esse projeto. Vocês sabem como é ariana, não é?”
Mais Laurinha do que isso, impossível, não é?
Acredito que um olhar diferenciado na questão da mulher mercante grávida possa modificar a tal evasão citada pelo jornalista. Creio que seja essa a proposta de debate desse grupo de trabalho.
Já que não leu o Valor Econômico, não leu o relatório da UERJ, não ouviu o Sindmar, George Vidor poderia, pelo menos, ler o Blog das Mulheres Mercantes. Quem sabe assim estaria mais bem informado.